NEWSLETTER 10 – JUNHO 2024

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LÉONTINE ZANTA

Alsaciana, nascida em 1872, Léontine Zanta foi uma filósofa que se destacou nos meios intelectuais parisienses, desde os finais do século XIX até aos anos 40 do século XX.  Discípula de Bergson na Sorbonne até 1914, foi a primeira mulher ali doutorada em filosofia, sendo por esse facto condecorada, em 1932, com a Legião de Honra. Além de professora e romancista, defende, em diversos artigos, como jornalista, a emancipação das mulheres. Em 1922, publica o ensaio La Psychologie du féminisme, tornando-se um exemplo para a sua geração na defesa dos direitos das mulheres. Recebe vários prémios da Academia Francesa e, em 1920, integra o júri do prémio Femina. Léontine Zanta, bela e inteligente, era uma cristã convicta e muito estimada pela sua generosidade e abertura aos outros.

O seu salão, na avenida de Madrid, em Neuilly, Paris, tornou-se um centro de encontro de toda a intelectualidade da época, filósofos, escritores, actores, artistas plásticos, eclesiásticos, ali se debatendo as ideias dum mundo novo que emergia do fragor da primeira guerra mundial. Fazia parte deste grupo uma sua aluna, Marguerite Teillard-Chambon, que viria a tornar-se sua íntima amiga e que se notabilizaria como escritora sob o pseudónimo de Claude Aragonnès. Marguerite era prima de Pierre Teilhard de Chardin e foi sua correspondente e confidente durante o tempo por ele passado nas trincheiras da guerra 14-18, tendo publicado, depois da morte deste, a sua correspondência com ela, a que viria a dar o título de Genèse d’une pensée (ver versão portuguesa Génese dum pensamento, incluída na biblioteca on-line Teilhard). Esta obra, a par com as de Teilhard que começaram a ser publicadas na mesma altura, teve uma recepção extraordinária pelo caracter testemunhal da evolução do seu pensamento místico, que começava a ser conhecido do grande público.

Teilhard, introduzido por sua prima no salão da avenida de Madrid, onde teria um acolhimento caloroso, é ali escutado por um auditório atento e interessado, com o qual dialoga sobre as suas ideias ultra inovadoras, para a época, em matéria de religião, usando, ao mesmo tempo, uma linguagem desempoeirada na abordagem da aproximação da fé e da ciência e da cosmicidade do seu Cristo universal. Nessa época, depois duma primeira missão científica na China, o horizonte seu discurso alarga-se e as suas reflexões englobam, cada vez mais, as perspectivas do futuro para a humanidade. Naquele privilegiado local de reflexão, que os que o frequentam apelidam significativamente de «o mirante», Teilhard começa a ser conhecido como «o peregrino do futuro».

Entre Teilhard e a dona da casa, Léontine Zanta, estabelece-se uma amizade fortíssima, ancorada numa confiança recíproca de ordem espiritual e cultural. Teilhard acompanha com vivo interesse a evolução da brilhante carreira de Léontine Zanta e esta, igualmente fascinada pela ousadia das ideias do seu amigo, apoia-o e incentiva-o incondicionalmente. Este convívio da avenida de Madrid dura poucos anos, desde o início dos anos 20 até 1926, quando Teilhard é mandado definitivamente para a China, donde só regressará em 1946, quatro anos depois de a sua amiga ter falecido. Mas sempre vem a Paris, o que aconteceu por curtos períodos em 1935, 1937 e 1939, não deixa nunca de fazer uma visita a Léontine. O escritor Robert Garric, igualmente frequentador do «mirante», é um dos dois autores da introdução ao livro Cartas a Léontine Zanta – que passámos a incluir aqui na Biblioteca Teilhard on-line. Neste texto, ele dá-nos uma visão das biografias de ambos, rica de detalhes preciosos, e, referindo-se àquelas fugazes visitas de Teilhard, aponta: «Terão apenas o tempo necessário para se informar sobre os movimentos novos do seu pensamento; um e outro, à medida que sobre eles desce a tarde da vida, sentem sobretudo apoderar-se deles um grande desnudamento espiritual».

É talvez esta a característica marcante da correspondência que se gerará entre Teilhard e Léontine Zanta, durante os restantes anos de vida desta. O livro que aqui apresentamos, contém 25 cartas, todas apenas de Teilhard de Chardin (no seu espólio não foi encontrada nenhuma carta por ele recebida, fosse de quem fosse, visto ter ele por uso destruir toda a correspondência que lhe era endereçada, depois de lida, tratada e, eventualmente, respondida). A primeira daquelas cartas é de maio de 1923 e a última de 14 de fevereiro de 1939, expedida ainda de Paris, durante a sua última visita a França antes de rebentar a guerra. Pouco depois regressa à China e, certamente por a guerra impedir o correio de chegar ao destino, não se conhece mais nenhuma carta por ele enviada para a avenida de Madrid. Estas cartas abordam, com um grande despojamento, os assuntos que interessam a dois grandes amigos, que se frequentam cultural e espiritualmente, cada um comunicando ao outro os focos das suas actividades. Da parte de Teilhard, nota-se a preocupação de pôr a sua amiga ao corrente das vivências do seu mundo interior e exterior, dando-lhe conta, ora das suas reflexões sobre o usos e costumes dos povos com quem contacta, daí retirando ilações de ordem filosófica, ora dos seus progressos no campo das suas descobertas de ordem espiritual. É sobretudo nesta área que estas cartas adquirem um valor único, uma vez que permitem ao leitor penetrar no íntimo do pensamento de Teilhard, assim assistindo à génese de ideias absolutamente luminosas, que ele viria a desenvolver ao longo dos seus inúmeros escritos, que permaneceram inéditos até à sua morte.

A segunda introdução é da autoria do Pe. Henri de Lubac, igualmente jesuíta, amigo e confidente de Teilhard, que seria o seu defensor perante os ataques de alguns, após o início da publicação de toda a sua obra espiritual, ocorrido dez anos antes. Neste escrito, em particular, de Lubac procura fazer um escrutínio das posições críticas de Teilhard em relação à sua Ordem e à Igreja, que constituem uma boa parte do conteúdo das cartas editadas nesta obra. Ao mesmo tempo que explica as razões que estiveram na origem dessas críticas, nota-se que, de algum modo, também com elas se solidariza, muito embora faça algumas advertências no sentido de lhes precisar possíveis faltas de rigor ou de assinalar motivos emocionais, legítimos. Só por si, esta segunda introdução, sempre centrada no conteúdo das cartas, e a que o autor, significativamente, deu o título de “A prova da fé”, é um documento precioso, não só pelo relato credenciado das posições de Teilhard em relação às autoridades eclesiásticas, como pela identificação dos focos inovadores do pensamento crístico de Teilhard de Chardin.

Estas duas introduções ao livro merecem uma leitura atenta, pois dão-nos a possibilidade de conhecer a personalidade rara de Léontine Zanta e de acompanhar o ambiente cultural duma época e seus mais ilustres representantes, marcantes numa França de avant-garde intelectual, e, por outro lado, penetrarmos mais profundamente no conhecimento da fascinante personalidade de Teilhard de Chardin. Depois de ler estes dois textos, saboreamos com os olhos bem abertos estas preciosas 25 cartas, ricas de reflexões ímpares, irrompendo dum espírito igualmente ímpar.

 

SUMÁRIO

 

| EFEMÉRIDE

1924
O problema do pecado original (excertos da obra de Gérard Donnadieu, Teilhard de Chardin – revisitado, um cristianaismo renascido para o 3º milénio)

«Ao regressar a França, Teilhard retoma os seus trabalhos no Museu, bem como as aulas de geologia e as conferências religiosas e espirituais junto de estudantes. Mas um pequeno texto exploratório sobre o pecado original, redigido em inícios de 1922 e não destinado a publicação, vai desastrosamente cair, em 1924, nas mãos das autoridades vaticanas e despertar contra ele uma suspeição que viria a revelar-se tenaz. Os responsáveis da sua Ordem, certamente para o proteger, fazem-no desaparecer, obrigando-o a um exílio na China, onde a sua passagem havia deixado uma excelente impressão, para ali continuar as investigações paleontológicas. Para Teilhard, que se antevia seguindo uma carreira universitária em França, o choque foi terrível: “Está feito, deslocam-me de Paris e só peço que me deixem ainda cá ficar seis meses para liquidar os meus trabalhos em curso e preparar o meu regresso à China, na próxima Páscoa. Caro amigo, ajude-me um pouco. Mostrei boa cara, mas, interiormente, é algo que se assemelha à agonia ou à tempestade… Oh, amigo, diga-me que, ao ser obediente, não sou infiel ao meu ideal”, escreve ele a 16 de maio de 1925 ao seu amigo Auguste Valensin. [pág.28-29]

As dificuldades encontradas por Teilhard tinham origem na teologia então mantida pela Igreja católica, teologia que se conservava inscrita no quadro do “pequeno” cosmos, limitado e estático, herdado da Antiguidade e da Idade Média, sem que tivessem sido verdadeiramente tomados em conta os novos conhecimentos saídos da época moderna. É certo que, depois do desastroso caso Galileu, deixou de se afirmar na Igreja a tese do geocentrismo. A teoria da evolução começava mesmo a ser discretamente aceite por numerosos clérigos familiarizados com o pensamento científico. Mas as implicações teológicas destes novos saberes não foram de modo nenhum assumidas.

É preciso dizer-se que a parada era considerável. Bem mais do que a realidade histórica das narrativas de criação e queda formuladas no começo da Bíblia (Génesis 1 a 4), cuja natureza mítica e poética começava a ser admitida, o que estava em causa era a interpretação que delas tinha sido feita ao longo de quinze séculos, no seguimento de S. Agostinho, pela Igreja católica, para fundar a doutrina do pecado original e suas consequências teológicas. É, pois, à volta desta questão que o desacordo entre Teilhard e a autoridade romana se vai cristalizar.

A querela arranca a partir duma Nota exploratória (Note sur quelques représentations historiques possibles du péché originel, ver “A minha fé”, pág. 55-66) redigida por Teilhard no início dos anos 1920. Destinada a alguns amigos para provocar um debate teológico entre eles, esta Nota cai, por infeliz acidente, entre as mãos do Superior geral dos jesuítas, Padre Ledochowski. Temendo que este documento fosse utilizado pelo Santo Ofício para justificar uma condenação, ao mesmo tempo prejudicial para Teilhard, para a Companhia de Jesus e para o Institut Catholique de Paris, os superiores da Companhia tomaram então a decisão de afastar Teilhard de Paris e de o confinar a uma atividade puramente científica. Donde a sua partida para a China e o abandono do seu ensino de geologia no Instituto Católico. Depois disso, Teilhard voltará por diversas vezes a esta questão do pecado original, sendo que a sua reflexão mais completa e precisa se encontra num texto redigido em 1947 (Reflexões sobre o Pecado Original, ver “A minha fé”, pág. 211-222), aquando do seu regresso a Paris. [pág.183]»

 

| VIDA DA ASSOCIAÇÃO

3º ENCONTRO NACIONAL DOS AMIGOS DE TEILHARD DE CHARDIN – ABRIL 2024
Em virtude de as inscrições no Encontro não terem atingido um número suficientemente expressivo, foi decidido cancelar o evento.

17º RETIRO ANUAL TEILHARD DE CHARDIN
No fim de semana de 24-26 de maio de 2024, realizou-se o nosso 17º Retiro anual, com a participação de 50 pessoas. Teve lugar na Casa de Exercícios de Santo Inácio (Rodízio, Praia Grande, Colares) e, como habitualmente, foi orientado pelo Pe. Vasco Pinto de Magalhães sj. O tema escolhido foi «Da morte à Vida».

CURSO ABERTO TEILHARD DE CHARDIN
O Curso Aberto Teilhard de Chardin, terminou no dia 5 junho de 2024, com participação do Prof. Gérard Donnadieu, autor da obra que serviu de base ao nosso Curso, Teilhard de Chardin revisitado – um cristianismo renascido para o 3º milénio
Recordamos que as gravações de todas as sessões, incluindo esta última, podem ser visionadas AQUI

BIBLIOTECA TEILHARD ON-LINE
No separador do nosso site – Ler aqui (português) – Livros, encontra-se um conjunto de obras, de e sobre Teilhard, que podem ser ali lidas na íntegra. Ao darmos seguimento a esta iniciativa, estamos certos de proporcionar um valioso serviço aos cibernautas que nos visitam e de enriquecer, assim, ainda mais, os nossos conteúdos. Para facilitar o acesso a este acervo, logo na primeira página do site estamos a colocar as capas e os títulos, à medida que o vamos alargando com novas obras, bastando um clique sobre cada uma delas para a abrir de imediato e, assim, permitir directamente a sua leitura.

A última obra de Teilhard, em português, que acaba de ali dar entrada, é Génese dum pensamento (volume da correspondência de Teilhard com a sua prima e confidente, Marguerite Teillard-Chambon, a partir das trincheiras da guerra 14-18. Claude Aragonnès (pseudónimo literário de Marguerite), abre a introdução a esta publicação com as seguintes palavras, que resumem bem o espírito com que Teilhard redige estas suas cartas:

A guerra terá sido, para Pierre Teilhard, entre os acontecimentos exteriores da sua vida, provavelmente o mais decisivo. Teve uma ressonância profunda em toda a sua vida. Não é exagero dizer (ele pensava-o e disse-o) que ela o revelou a si mesmo. Seja como for, ela precipitou esse desenvolvimento interior que não se teria produzido tão cedo, e quem sabe se menos irresistivelmente, sem as circunstâncias que aumentaram consideravelmente a sua experiência humana, impulsionaram o seu espírito e temperaram o seu carácter.

Recordamos que muitas destas cartas capearam o envio que Teilhard ia fazendo sucessivamente à sua prima dos 16 ensaios escritos por ele nas trincheiras e que constituem o volume 12 das Obras Completas, cuja versão portuguesa igualmente se encontra disponível aqui na Biblioteca on-line sob o título Escritos do tempo da guerra. A inspiração destes ensaios nasce no espírito de Teilhard no meio do turbilhão violento da vivência dos combates e, pode dizer-se, contêm em germe já todo o pensamento cristológico que ele viria a desenvolver nos seus muitos outros ensaios redigidos ao longo da sua vida e que, como sabemos, apenas vieram a ser conhecidos do público após a sua morte, em 1955.     

| A VIDA DE TEILHARD DE CHARDIN, EM BD

Pierre Teilhard de Chardin, Padre jesuíta, homem de ciência e filósofo, nasce no castelo da família, em Sarcenat, Clermont-Ferrand (Auvergne, França) a 1 de maio de1881 e morre em Nova Iorque, no dia 10 de abril de 1955. Adaptada da brochura «Pierre Teilhard de Chardin» [Croyants de Tous Pays, Éditions Fleurus, UNIVERSMEDIA, Paris, para FONDATION TEILHARD DE CHARDIN], oferecemos-vos (sobretudo a pensar nos mais novos), uma sugestiva biografia de Teilhard de Chardin, apresentada em BD, de que iremos inserindo sucessivamente as diversas pranchas. Acrescentamos hoje a 7ª prancha.

Eis aqui todas as OITO pranchas já publicadas. 

PRANCHA 8

 

| PUBLICAÇÕES

Primeiros passos com Teilhard de Chardin, Pe. André Picard

O nome do Padre Teilhard de Chardin é cada vez mais conhecido. Mas o conteúdo do seu percurso e das suas descobertas permanece ainda muitas vezes um tesouro escondido. Contudo, o pensamento e a espiritualidade do Padre Teilhard, em concordância com as mutações dos tempos modernos, poderia esclarecer muitos dos nossos contemporâneos nas suas interrogações sobre o Homem e a sua relação com a ciência e a fé. Este livrinho apresenta-se como uma primeira iniciação à reflexão e às convicções do sábio jesuíta que foi o Padre Teilhard de Chardin.

O autor é o Pe. André Picard, padre diocesano de Bayeux et Lisieux. [Ed. Saint-Léger, França, 2013]

Considerando esta obra, editada em França em 2013, um excelente meio de fazer uma introdução ao pensamento de Teilhard de Chardin, decidimos realizar a sua tradução e passar a transcrever, neste espaço, sucessivamente os seus diversos capítulos e partes. Assim, após termos apresentado na Newsletter 9 a Introdução e o Prefácio, aqui incluímos o capítulo 1, intitulado “Teilhard e o seu tempo
Na próxima Newsletter incluiremos o capítulo 2 desta obra, intitulado “O fenómeno humano”.

| PENSAMENTO DE TEILHARD

 “Quer queiramos quer não, a humanidade colectiviza-se, totaliza-se sob a influência de forças físicas e espirituais de ordem planetária. Donde o conflito moderno, no coração de cada homem, entre o elemento sempre mais consciente do seu valor individual e laços sociais, sempre mais exigentes” (Tomo 5, OC, pág. 247, Reflexões sobre os direitos do homem)

Leiam-nos e procurem
FAZER DOS VOSSOS AMIGOS, AMIGOS DE TEILHARD DE CHARDIN 
(VER AQUI

 

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